Nada é atingido sem a busca — buscar é necessário — mas chega um ponto em que a busca precisa ser abandonada.
O barco é necessário para vocês atravessarem o rio, mas chega o momento em que vocês têm de largar o barco,esquecer tudo sobre ele e deixá-lo para trás.
O esforço é necessário, sem esforço nada é possível.
Mas também somente com esforço, nada é possível.
Pouco antes do dia 21 de março de 1953, sete dias antes, parei de trabalhar em mim mesmo. Chega o momento em que vocês vêem toda a futilidade do esforço.
Vocês fizeram tudo o que podiam fazer e nada aconteceu.
Vocês fizeram tudo o que era humanamente possível.
O que mais podem fazer então?
No mais absoluto desamparo,toda a busca é abandonada.
E no dia em que acabou a procura, no dia em que eu não buscava mais coisa alguma no dia em que eu não esperava que algo acontecesse, começou a acontecer.
Uma nova energia surgiu — do nada.
Ela não provinha de uma fonte.
Ela vinha de lugar nenhum e de todos os lugares.
Ela estava tanto nas árvores como nas pedras, no céu, no sol, no ar — ela estava em tudo.
Eu tinha buscado tão arduamente, pensando que ela estivesse muito distante e estava tão perto! Os olhos estiveram focados no longínquo, no horizonte, e tinham perdido a capacidade de ver o que estava próximo.
No dia em que o esforço cessou, eu também cessei — porque vocês não podem existir sem esforço, não podem existir sem desejos e não podem existir sem empenho.
O fenômeno do ego, do eu, não uma coisa — é um processo.
Não é uma substância sentada lá dentro de vocês; vocês têm de criá-lo a cada momento.
É como pedalar uma bicicleta: se vocês pedalam, ela continua sempre andando;
se vocês não pedalam, ela pára.
Na verdade, ela ainda consegue andar um pouco mais por causa da inércia;
mas no momento em que vocês param de pedalar, a bicicleta começa a parar.
Não há mais energia, não há mais força para ir a lugar algum.
Ela vai cair e entrar em colapso.
O ego existe porque nós continuamos a pedalar nossos desejos, porque continuamos a nos empenhar para conseguir alguma coisa, porque continuamos saltando à frente de nós mesmos.
É exatamente esse o fenômeno do ego — vocês saltam à sua própria frente, um salto no futuro, um salto no amanhã.
O salto no inexistente cria o ego.
Como resulta do inexistente ele é como uma miragem.
Ele consiste somente em desejos e nada mais.
Ele consiste só em apetite e nada mais.
O ego não está no presente; ele está no futuro.
Se vocês estiverem no futuro, então o ego vai parecer bastante substancial.
Se vocês estão no presente, o ego é uma miragem; ele começa a desaparecer.
No dia em que eu parei de buscar...
...não está correto dizer que eu parei de buscar; melhor seria falar no dia em que a busca parou.
Deixe-me repetir: a melhor maneira de dizer é “no dia em que a busca parou”.
Porque, se eu a parei, então “eu” estou novamente aqui.
Nesse caso, parar torna-se um esforço meu, torna-se um desejo meu, e o desejo continua a existir de uma maneira muito sutil.
Vocês não conseguem parar o desejo; conseguem apenas compreendê-lo.
É na própria compreensão do desejo que está a parada dele.
Lembrem-se:
ninguém consegue parar de desejar
— mas a realidade só acontece quando o desejo pára.
Portanto, esse é o dilema.
O que fazer?
O desejo está dentro de nós, mas os budas vivem dizendo que o desejo precisa ser parado e, no momento seguinte, dizem que nós não conseguimos parar o desejo.
Então, o que fazer?
As pessoas se vêem diante de um dilema.
Elas estão desejando, com certeza.
Vocês dizem a elas que o desejo tem de ser parado — tudo bem.
E depois vocês lhes dizem que o desejo não pode ser parado.
O que se pode fazer então?
O desejo tem de ser compreendido.
Você pode compreendê-lo, ver simplesmente a sua futilidade.
Uma percepção direta é necessária, uma penetração imediata é necessária.
No dia em que o desejo parou, eu me senti muito desesperançado e desamparado.
Sem esperança porque sem futuro.
Nada a esperar, pois todas as esperanças se provaram fúteis; elas não levam a parte alguma.
Vocês andam a esmo.
Elas continuam lá à sua frente, acenando, criando novas miragens, chamando:
“Venha, corra mais rápido que você vai alcançar”.
Mas, por mais rápido que vocês corram, nunca alcançam.
É como o horizonte que vemos ao redor da Terra.
Ele aparece, mas não está lá.
Vocês vão ao encontro dele, mas ele continua andando à sua frente.
Quanto mais rápido vocês correm, mais rápido ele se afasta.
Quanto mais devagar vocês vão, mais devagar ele se move.
Mas uma coisa é certa — a distância entre vocês e o horizonte continua sendo absolutamente a mesma. Vocês não conseguem reduzir nem sequer um centímetro da distância entre vocês e o horizonte.
Vocês não conseguem reduzir a distância entre vocês e as suas esperanças.
A esperança é o horizonte.
Com a esperança, com um desejo projetado, vocês tentam construir uma ponte entre vocês e o horizonte. Os desejos são pontes — pontes feitas de sonhos, porque o horizonte não existe. Desse modo, vocês são incapazes de construir uma ponte até ele; só conseguem sonhar com a ponte.
É impossível vocês se juntarem ao inexistente.
No dia em que o desejo parou, no dia em que eu o encarei e percebi que ele era só futilidade, fiquei desamparado e desesperançado.
Mas, nesse exato momento, algo começou a acontecer.
Começou a acontecer algo pelo qual eu vinha trabalhando durante muitas vidas e que ainda não havia acontecido.
Porque na nossa desesperança está a única esperança, porque na nossa ausência de desejo está a nossa única satisfação e por causa do nosso imenso desamparo, de repente, toda a existência começa a nos ajudar.
A existência está esperando.
Enquanto ela vê que vocês estão trabalhando por si mesmos, ela não interfere.
Espera.
Pode esperar indefinidamente, pois não há pressa para a existência.
Ela é a eternidade.
Mas no momento em que vocês não estão por sua própria conta — no momento em que vocês desistem, no momento em que vocês desaparecem — a existência inteira corre ao encontro de vocês, entra em vocês.
E, pela primeira vez, as coisas começam a acontecer.
Durante sete dias, eu vivi num estado bastante desesperançado e desamparado, mas, ao mesmo tempo, alguma coisa estava surgindo. Quando digo “desesperançado”, não quero dizer aquilo que normalmente se entende por essa palavra. Quero simplesmente dizer que não havia esperança em mim. A esperança estava ausente.
Não estou dizendo que eu estava desesperado e triste.
Na verdade, estava feliz; estava muito tranqüilo, calmo, controlado e centrado.
Desesperançado, mas num sentido totalmente novo.
Não havia esperança; então, como podia haver desesperança?
Ambas tinham desaparecido.
A desesperança era absoluta e total.
A esperança tinha desaparecido e, com ela, a sua contrapartida, a desesperança, também desaparecera. Era uma experiência totalmente nova — a de estar sem esperança.
Não era um estado negativo.
Eu tenho de usar palavras, mas não era um estado negativo.
Era absolutamente positivo.
Não era apenas uma ausência, eu sentia uma presença.
Algo estava me inundando, jorrando sobre mim.
E quando digo que estava desamparado, não me refiro ao sentido que o dicionário dá a essa palavra. Digo apenas que eu estava sem o meu apoio. É isso o que quero dizer quando falo em desamparo. Eu havia reconhecido o fato de que eu não existia — não podia então depender de mim mesmo, não podia me pôr de pé no meu próprio solo. Não havia solo sob meus pés; eu estava sobre um abismo, um abismo sem fundo.
Mas não havia medo porque não havia nada para ser protegido.
Não existia medo porque não havia ninguém para ter medo.
Esses sete dias foram de imensa transformação, de total transformação.
E, no último dia, a presença de uma energia totalmente nova, uma nova luz e um novo deleite, tornaram-se tão intensos que eram quase insuportáveis — era como se eu estivesse explodindo, como se estivesse ficando louco de felicidade.
A geração mais jovem, no Ocidente, tem a expressão certa para isso — eu estava “na maior glória”, “chapadão”.
Era impossível extrair algum sentido daquilo, o que estava acontecendo.
Era um mundo de contra-sensos — difícil de decifrar, difícil de colocar em categorias; um mundo onde era difícil usar as palavras, a linguagem, as explicações. Todas as escrituras davam a impressão de estar mortas e todas as palavras que foram usadas para descrever essa experiência pareciam muito pálidas, anêmicas.
Estava tudo tão vivo.
Como uma gigantesca onda de bem-aventurança.
O dia inteiro foi estranho, atordoante, e essa experiência foi arrasadora.
O passado estava desaparecendo como se nunca me tivesse pertencido, como se eu tivesse lido sobre ele em algum lugar. Como se eu tivesse sonhado com o passado, como se eu tivesse ouvido a história de outra pessoa.
Eu estava me libertando do meu passado, me extirpando da minha história.
Perdendo a minha biografia.
Estava me tornando um não-ser, o que Buda chama de anatta. A
s fronteiras estavam desaparecendo, as distinções desapareciam.
A mente desaparecia; estava a milhões de quilômetros de distância.
Era difícil agarrá-la; ela corria cada vez para mais longe e não havia o impulso de mantê-la próxima. Eu estava simplesmente indiferente em relação a todas as coisas.
Tudo bem.
Não havia vontade de continuar ligado ao passado.
À noite, tornou-se muito difícil suportá-la — machucava, era doloroso.
Como quando a mulher entra nas dores de parto, quando a criança está para nascer e a mulher sofre dores terríveis — a agonia do nascimento.
Nesses sete dias, eu ia dormir perto da meia-noite ou uma da madrugada, mas nesse último dia foi impossível permanecer acordado. Meus olhos se fechavam, era difícil mantê-los abertos. Alguma coisa era iminente; alguma coisa estava para acontecer.
Difícil dizer o que era – talvez fosse a minha morte -, mas não havia medo.
Eu estava pronto para ela.
Esses sete dias foram tão belos que eu estava pronto para morrer; nada mais era necessário. Eles tinham sido tão extraordinariamente felizes, eu estava tão satisfeito que, se a morte viesse, seria bem-vinda.
Mas alguma coisa estava para acontecer — algo como a morte, algo muito drástico, algo que viria a ser ou uma morte ou um novo nascimento, ou uma crucificação ou uma ressurreição — algo de um extraordinário significado estava chegando muito perto.
Mas era impossível manter os olhos abertos; eu estava como que drogado.
Fui dormir perto das oito horas.
Mas esse não foi um sono comum.
Agora posso entender a que Patanjali se referia quando disse que o sono e o samadhi eram semelhantes. Com apenas uma diferença — no samadhi você está plenamente desperto e também adormecido — adormecido e desperto ao mesmo tempo.
O corpo inteiro relaxado, cada célula do corpo totalmente relaxada, todas as funções relaxadas e, contudo, uma chama de percepção consciente queima dentro de vocês clara, sem fumaça.
Vocês continuam alertas, embora relaxados; soltos, mas plenamente despertos.
O corpo está no sono mais profundo possível e a consciência está no cume.
O cume da consciência e o vale do corpo se encontram.
Fui dormir.
Aquele foi um sono muito estranho.
O corpo estava adormecido, eu estava desperto.
Foi tão estranho — como se eu tivesse sido separado em duas direções, em duas dimensões; como se a polaridade entrasse completamente no foco, como se estivessem juntas ambas as polaridades... o encontro do positivo e do negativo, o encontro do sono e da percepção consciente, o encontro da morte e da vida.
Esse era o momento em que se pode dizer que o criador e a criação se encontraram.
Foi sobrenatural.
Pela primeira vez, vocês são abalados até as raízes, sacudidos até os alicerces.
Vocês nunca mais serão os mesmos depois de uma experiência como essa;
ela traz uma nova compreensão para as suas vidas, traz uma nova qualidade.
Osho
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